Fatucha Superstar, de João Paulo Ferreira

Fatucha Superstar
Realização e montagem: João Paulo Ferreira
Decoração e vestuário: Óscar Alves
Interpretação: Fefa Puttolini, José Cabecinha, José Manuel Rodrigues, João Carlos, Domingos Oliveira
Produção: Cineground
Super 8, Cor, 50minutos
Portugal, 1976
[exibido na Cinemateca Portuguesa a 24 de Janeiro de 2013]


"Há qualquer coisa que nos vai acontecer, ou será que um matulão o cu nos vem comer?". O filme começa assim e a partir daqui é sempre a descer. Os pastorinhos da Cova da Iria são, afinal, uns valdevinos. E Nossa Senhora de Fátima é nada menos que um travesti sofisticado e sensual, que gosta dos holofotes da fama, de sexo, drogas e "disco sound".
Bruno Horta


Fatucha Superstar, inspirado no musical Jesus Christ Superstar, é uma obra singular no cinema português. A obra de João Paulo Ferreira reinterpreta as aparições de Nossa Senhora de Fátima. Ao início observam-se várias imagens do santuário de Fátima o que nos leva a crer que o filme pode ter um carácter documental e sério, mas tudo isso se dilui ao fim de pouco tempo com a entrada dos actores que representam os três pastorinhos. Em cima de uma árvore surge Fatucha que promete aos pastorinhos sucesso e notoriedade no futuro. Cabarets, música disco, freiras, imagens psicadélicas, truques de magia, um descapotável e Deus, fazem parte deste fantástico universo. As músicas com letras sarcásticas pautadas com desejos carnais complementam-se com a imagem descomprometida e irreverente. Apesar do registo cómico e leviano, é um filme que vai para além de juntar os amigos numa produção para contar uma história.
Frederico Malaca


Embora a sua obra, iniciada em 1975, tenha acabado por focar muito mais fortemente questões políticas e sociais, João Paulo Ferreira realizou esta obra singular, Fatucha Superstar, num registo musical inspirado no Jesus Christ Superstar, de Andrew Lloyd Webber. Com a revolução ainda quente, Ferreira desconstrói aquele que foi um dos grandes alicerces do Estado Novo: as aparições de Nossa Senhora de Fátima. Se por um lado, Fatucha Superstar é fiel à estética hippie do musical de Webber – e a uma geração portuguesa da altura –, já Fátima, ou Fatucha, é um sofisticado travesti que surge aos três pastorinhos de óculos escuros e descapotável.
O filme abre com imagens de peregrinos em Fátima. Mas apesar desta introdução em registo documental, o que João Paulo Ferreira nos propõe é que revisitemos o mito, contando-nos a sua verdade acerca do mesmo. Num descampado, os três pastorinhos, Lúcia, Jacinta e Francisco dançam em enorme alegria, até que Jacinta (de bigode farfalhudo) tem uma premonição. Mas é a Francisco que Fatucha aparece. O rapaz imediatamente chama as suas irmãs para com ele testemunharem o estranho fenómeno. Fatucha canta aos pastorinhos, prometendo-lhes sucesso e notoriedade no futuro. Mas Francisco, mais do que inebriado pelas promessas, apaixona-se por esta insinuante mulher, a quem dedica uma canção, em êxtase bucólico: “Eu sinto a minha cabeça à roda, / o peito, espartilho, / não posso esquecer aquela gaja, / que é boa com’ó milho…” Surge então de novo Fatucha, também num solo, prometendo dar início à sua luta, não sem antes consultar Deus, que reage assim à sua proposta: “Mas que grande debochada…” Quando Fatucha surge novamente aos pastorinhos, dá-se início ao milagre, aqui em forma de passos de mágica. Ela faz surgir uma mesa, tira objectos de uma cartola, faz aparecer um sumo de laranja para os refrescar, transfigura Jacinta numa apelativa mulher. Mas algo não corre tão bem. Num passo mal ensaiado, faz desaparecer Jacinta, levando os seus irmãos a escorraçá-la. Fatucha foge para o carro e a tragédia adivinha-se. Qual Isadora Duncan, o seu véu fica preso à roda. Fatucha parece ter-nos deixado.
A meio desta sua reinterpretação das aparições, João Paulo Ferreira interrompe a narrativa para um insert – anunciado por um efeito de luzes psicadélicas –, que nos remete para o presente. Numa pista de dança, anjos, freiras e Deus, dançam despudoradamente. As personagens desta fábula entregam-se aos mais terrenos e carnais desejos. Num altar, ao fundo, a substituir a figura religiosa, esse outro objecto de culto bem mais pagão: um enorme falo. No final do filme, novo regresso ao tempo presente. Um grupo de amigos celebra Fatucha. Afinal, ela não morreu. Numa
derradeira homenagem, cantam-lhe em uníssono: “Oh Fatucha Superstar, porque andas tu o povo a enganar. / Oh Fatucha Superstar, olha que ainda te vão lixar”. J.F.

(Sinopse no site do Núcleo de Cinema da UBI  - sem identificação do autor)


Biofilmografia do Realizador
João Paulo Ferreira nasceu em 1943. Começou a fazer cinema em 1975, integrado no “Cineground”, grupo que se caracterizou por fazer uma primeira tentativa de comercialização de filmes Super 8, em pequenas salas de diversão (“boîtes” e clubes nocturnos), em Portugal.
Esses seriam aliás os lugares de eleição, na época, para a divulgação de uma cinematografia de carácter underground e, no caso de João Paulo Ferreira, também queer (como, aliás, aconteceu com o seu contemporâneo Óscar Alves, de quem foi assistente de realização e montador nos quatro filmes exibidos pelo Queer Lisboa, no ano passado).
Foi ainda membro do Núcleo dos Cineastas Independentes.
  • 1978 – Ruínas (Curta-Metragem de Ficção / Short Fiction)
  • 1977 – Tempo Vazio (Curta-Metragem de Ficção / Short Fiction)
  • 1976 – Os Demónios da Liberdade (Curta-Metragem de Ficção / Short Fiction)
  • 1976 – Fatucha Superstar (Longa-Metragem de Ficção / Feature Film)
  • 1975 – Trauma (Curta-Metragem de Ficção / Short Fiction)
(do site do Queer Lisboa - sem identificação do autor)

Sem comentários: