Da rosa fixa, de Maria Velho da Costa


Moraes, 1978
[3000 ex, esgotado]


91.

Perdoem-me a dificuldade de escrita, descrita. Se eu vos desse um gesto tão simples quanto o deglutir de uma lâmina, a laceração interna - falemos claro - a morte por impaciência - como seria mais fácil converter-vos à decifração, ao acto exausto, de ler. Porém, jamais desejei amar-vos tronando sobre a vossa culpa, na rigorosa ausência. Em termos de processos naturais como simplificar-vos a trama e ocultação da orquídea em grossíssimo mato, ou a grande arraia alada sob mares, senão pedindo-vos mansamente a viração do rosto até à tão genérica aceitação da rosa, silvestre ou tão cruzada. Eu preferi a testa reclinada sobre o húmus à sabedoria, a invocação do navio em trânsito à cumplicidade dos deuses, leitores únicos. Assevero-vos porém que nada disto é mais humano que a comovente perspicácia arquitectónica da toupeira, vidente cega assim acomodada pelos tempos e acasos carnais, ambiências, mucos.

*

129.

Bater-se contra o hábito e os seus desvios. Nem outra ortodoxia resta que a que clama pelo dito que poude sangrar inaudível e debater-se o corpo estranhado onde os companheiros fedem e chiam, enfeitiçados da razão de Circe, porqueira hábil do lugar sem termo e sem tempo, perdido o nome e o mapa das origens. Arte são os sentidos que viajam mais alto ou até um regramento de vida exemplar. Se desnuda também em tua honra e erro, para que mais seja, a dulcíssima divagação do que não poude ser de outro modo, o cântico do amor áspero e fechado por hesitância deles, amado redil estreito de onde as cabras trânsfugas, quais rosas escuras, alteram humilimamente por excreta a muito lenta maturação dos vinhos sápidos, a mesa regional.


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