Olhar o Nada, Ver a Deus, de Rui Caeiro


desenho e vinhetas de Bárbara Assis Pacheco
composto e paginado por Olímpio Ferreira
Averno, 2003
[250 ex, esgotado]

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Sobre ti, como é da praxe, poucas verdades. Poucas mas firmes.
Agora mesmo duas me ocorrem:
Uma, não és; outra, não gosto de ti.
(Se há aqui paradoxo ele em nada me confrange, com paradoxos posso eu bem)
Sobre a primeira verdade pouco há a dizer. Verdade grande como um punho. Não és, pronto acabou-se.
Sobre a segunda, longa história. Não gosto de ti, nem do que outros fizeram de ti ou mesmo viram em ti, nem do que outros, ou ainda os mesmos, puseram em lugar de ti, do santo nome do teu não-ser.
De ti certamente que não, mas da esperança. Da esperança esfarrapada e quebradiça que tantos em ti depositaram. Em ti - no teu ser nulo. Esse investimento, esse desperdício. Que não é mensurável e que não cabe em palavras.
Mas como se pode gostar de uma esperança? Mais simples querer ao próprio desespero.

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Na terra onde nasci - Vila Viçosa, no Alto Alentejo - igrejas, padres, seminaristas, procissões, beatas, eram um não acabar. Constituíam, paradoxalmente, um sinal seguro de que Deus não existia nem fazia falta nenhuma. Toda essa parafernália, reportando-se embora a Deus, substituía-se a ele, dispensando-o. As ruas cheiravam ao fumo das braseiras e a carne de porco frita. A neve não dava sinal de presença nem no pino do Inverno. Deus também não. A minha primeira namorada (era meio espanhola) achava tudo muito natural, muito místico. Casou e teve muitos meninos.

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